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Fervura global

Gráficos mostram oceanos com febre

10 de agosto de 2023 às 14:54h

g1 recolheu dados e ouviu cientistas que estudam a atmosfera, os oceanos e o clima da Terra para explicar episódios recentes que confirmam que vivemos um estado de emergência climática.

Em uma sequência com seis gráficos e mapas, o g1 mostra abaixo (e resume no VÍDEO acima) um retrato do atual momento da Crise do Clima. As linhas ou cores das ilustrações gritam que vivemos hoje a emergência climática, uma “era de fervura global”, como definiu secretário-geral da ONU, António Guterres.

Nunca antes o mundo viveu uma situação com:

  • tanto gás carbônico acumulado na atmosfera (clique para ir direto para o gráfico)
  • uma sequência tão longa de recordes diários de calor (gráfico)
  • oceanos tão febris, com recordes sucessivos de temperatura na água (gráfico)
  • diminuição das extensões da camada de gelo da Antártica e do Ártico (gráfico)
  • e, para finalizar, um El Niño atípico, que deixa os mapas dos oceanos ainda mais vermelhos (gráfico)

Ponto de partida: por que falamos em aquecimento global?

Antes de tudo precisamos entender o seguinte: a ciência é clara.

O aquecimento global é causado pelos gases de efeito estufa que retêm o calor do nosso Sol na atmosfera. Esses gases, como o CO2 (gás carbônico), são liberados quando queimamos combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, algo que não fazíamos antes da Revolução Industrial, pelo menos em larga escala.

Desde então, a quantidade de CO2 na atmosfera aumentou mais de 50% – e continua crescendo. Como consequência disso, o aquecimento global está fazendo o nosso planeta ficar mais quente, o que por sua vez está causando uma série de problemas e intensificando fenômenos naturais, como incêndios, secas e tempestades que estamos vendo cada vez mais pelo mundo.

Por isso é necessário reduzir as emissões desses gases. Acontece que, como explica o climatologista Carlos Nobre, um dos principais especialistas em mudanças climáticas do mundo, a capacidade de remoção do gás carbônico da atmosfera pelas florestas e oceanos está diminuindo cada vez mais.

“A concentração de gases aumentou notavelmente nas últimas décadas (veja gráfico acima), enquanto a taxa de emissões anuais diminuiu nos últimos dez anos. Apesar disso, o aumento da concentração não diminuiu. Isso já é uma indicação clara que a capacidade de remoção do gás carbônico pelas florestas e pelos oceanos já começa dar sinais de diminuição”, afirma Nobre.

E se a capacidade de remoção do gás carbônico da atmosfera pelas florestas e oceanos continuar diminuindo, será necessário reduzir as emissões de gases ainda mais rapidamente.

Dia e mês mais quentes já registrados

 

Com todo esse aumento das emissões, não tem outra. Desde o início de julho, temos presenciado a quebra constante dos registros históricos de temperatura: uma sequência de novos recordes para os dias mais quentes já registrados.

No decorrer da primeira semana do mês, em particular, testemunhamos três marcos significativos serem superados. No dia 3 de julho, a média global de temperatura alcançou 17,01°C, ultrapassando assim a marca estabelecida em 2016, que era de 16,92°C – valor que também foi alcançado em 2022.

Contudo, esse recorde durou pouco, pois já no dia subsequente, 4 de julho, a temperatura média global atingiu um novo pico, registrando 17,18°C. A sequência de superações de recordes prosseguiu no dia 6 de julho, quando a temperatura média alcançou 17,23°C.

No Brasil, mesmo em grande parte do país durante o inverno, a situação também não foi diferente. Tomando como base a média histórica (1991 – 2020) das temperaturas médias observadas nas estações meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em todo o país, no mês de julho, a temperatura média seria 21,93°C.

Contudo, em 2023, esse valor foi de 22,97°C, ou seja, um desvio de 1,04°C acima da média histórica, colocando o recente mês de julho como o mais quente já registrado no Brasil desde 1961.

Recordes também no mar

A temperatura média da superfície do oceano também tem batido recordes desde março deste ano. Em 30 de julho, a temperatura da superfície dos oceanos atingiu 20,96°C, superando o recorde anterior de 20,95°C estabelecido em março de 2016, também de acordo com o observatório do clima da União Europeia.

Temperatura diária da superfície do mar

Desde o final de março, valor tem atingido níveis recordes a cada dia.

Essa tendência foi confirmada pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), que usa uma metodologia diferente, mas que também registrou um aumento nas temperaturas médias da superfície do mar nos últimos meses (veja gráfico acima). Vale ressaltar que essas análises não incluem as regiões polares.

Adriana Lippi, mestranda interdisciplinar em ciência e tecnologia do mar pela Unifesp e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano, explica que as altas temperaturas no oceano são preocupantes, mas ainda estão dentro da variação prevista pelos modelos climáticos.

“Este ano, entramos na fase de El Niño, que está correlacionado com maiores temperaturas globais, incluindo no oceano. O oceano é o grande armazenador de calor em nosso planeta, armazenando cerca de 90% de todo o calor da Terra”, explica.

Apesar disso, ela também diz que o aumento do calor causado pelas atividades antropogênicas (causadas pelo homem) é o principal fator-motor para o aumento da temperatura dos mares. Com mais gases do efeito estufa na atmosfera como vimos na primeira parte desta reportagem, mais calor no planeta, e boa parte desse calor ainda vai para o oceano.

Alerta na Antártica e no Ártico

Um outro fator preocupante do clima global atualmente é que o gelo marinho na Antártica está em declínio recorde, com o nível mais baixo já registrado em fevereiro de 2023, quando a extensão do gelo do mar antártico atingiu o nível mais baixo já registrado, ficando 34% abaixo do valor médio de referência.

Extensão diária da camada de gelo da Antártica

Índice considera área do oceano com pelo menos 15% de gelo marinho, em km²

E isso também é resultado do aquecimento global, que está fazendo a água do oceano aquecer e o gelo derreter.

“O declínio do gelo marinho na Antártica está tendo um impacto significativo no clima da Terra”, disse Francyne Elias-Piera, PhD em Ciência e Tecnologia Ambiental pela Universitat Autònoma de Barcelona. “O gelo marinho ajuda a refletir a luz solar de volta para o espaço, o que ajuda a resfriar o planeta. Ao derreter, o gelo marinho permite que mais luz solar seja absorvida pela Terra, o que pode levar a um aquecimento ainda maior”.

Já no Ártico, cientistas estão preocupados com a possibilidade de o gelo marinho desaparecer em poucos anos, durante o verão em 2030. Um estudo recente na revista Nature Communications, que analisou mudanças de 1979 a 2019 na região, comparando diferentes dados de satélite e modelos climáticos, revelou que, mesmo se forem feitos cortes significativos nas emissões de gases de efeito estufa, o Ártico ainda poderia enfrentar verões sem gelo marinho até 2050.

El Niño mais forte e ‘verão’ fora de época na América do Sul

 

No início de julho, novos mapas climáticos divulgados pela NOAA também revelaram uma preocupante reviravolta: o El Niño de 2023, iniciado em junho, está significativamente diferente dos fenômenos observados recentemente.