Aprovação pelo Senado é inconstitucional e pode gerar retrocessos ambientais irreversíveis
22 de maio de 2025 às 14:35h
Por WWF Brasil*
A aprovação do PL 2159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, pelos senadores da República, é uma afronta à Constituição que eles juraram defender
Em seu artigo 225, nossa constituição estabelece que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
O parágrafo 1º deste mesmo artigo detalha as obrigações específicas do Poder Público para assegurar a efetividade desse direito. Ou seja: a Constituição não apenas reconhece o direito a um meio ambiente equilibrado, mas impõe ao Estado brasileiro o dever constitucional de garantir esse direito.
Porém essa obrigação do Estado se torna inviável com o texto do PL 2159/2021 que foi aprovado. Trata-se simplesmente do maior retrocesso na legislação ambiental brasileira dos últimos 40 anos. Se entrar efetivamente em vigor, o PL da Devastação abre a porteira para tragédias ambientais, para o aumento da corrupção e para elevar o risco ambiental e climático do país.
A ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio impacto, na prática, institui um sistema de autolicenciamento que dispensa análises técnicas adequadas, contrariando inclusive decisão do Supremo Tribunal Federal que limitou esse instrumento apenas a atividades de baixo risco.
Outro grave retrocesso do PL da Devastação é a possibilidade do Conselho de Governo – um órgão sem qualquer qualificação técnica na área ambiental – eleger atividades e projetos passíveis de um procedimento simplificado. O acesso a ritos menos rigorosos independente da complexidade e gravidade do risco ambiental da atividade ou projeto é previsto pela emenda 198, inserida hoje (21) no PL pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Ao reduzir a transparência dos processos e permitir que eles sejam orientados por decisões políticas e não técnicas, ela afasta definitivamente o instrumento do rigor técnico necessário para a análise de empreendimentos com potencial impacto ambiental e para a sociedade brasileira.
O texto aprovado também compromete gravemente a proteção de territórios quilombolas, indígenas e de povos e comunidades tradicionais. Ao restringir a participação de órgãos como a Funai apenas a terras indígenas já homologadas, ele ignora comunidades que aguardam a conclusão de processos demarcatórios. Esta medida gera profunda insegurança jurídica e penaliza duplamente os povos indígenas: primeiro pela omissão histórica do Estado em demarcar seus territórios e, agora, pela exclusão de sua voz nos processos que afetam diretamente seus modos de vida. O projeto ainda viola frontalmente o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, garantido pela Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
Além dos impactos socioambientais diretos, como aumento da poluição, desmatamento e riscos de tragédias como a de Mariana, o PL 2159/2021 compromete seriamente a credibilidade ambiental do Brasil no cenário internacional. Em um momento em que o país se prepara para sediar a COP30 em Belém, a aprovação deste projeto envia uma mensagem contraditória à comunidade global. O texto sequer menciona a palavra “clima” e, se implementado, inviabilizará o cumprimento das metas de redução de emissões assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris.
A gravidade desta situação exige que a Câmara dos Deputados – para onde o texto retornará – assuma sua função de defensora dos direitos constitucionalmente instituídos e legisle em favor dos melhores interesses dos brasileiros. A proteção ambiental e o respeito aos direitos de todos os brasileiros, incluindo os povos tradicionais, não podem ser sacrificados em nome de um modelo arcaico, predatório e excludente de desenvolvimento, que beneficia poucos às custas do patrimônio natural de todos os brasileiros. O WWF-Brasil seguirá mobilizado, junto a outras entidades da sociedade civil, para denunciar este grave retrocesso e lutar pela preservação de nossos biomas e pela justiça socioambiental.
*O WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 28 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza.