Aí me lembro de uma conversa com uma pessoa local. “Saudades do garimpo, naquele tempo tinha muito dinheiro e a gente ia ao cinema.” O garimpo veio, passou, e nada desse dinheiro sobrou. Acredito até que o cinema fechou. O mesmo vai acontecer com as novas promessas de desenvolvimento. O “progresso” que trazem à Amazônia é um trator que tudo destrói e nada deixa, levando qualquer riqueza pra longe, bem longe, onde o povo não alcance, nem sequer sonhe com a existência. Se o garimpo trazia riqueza, para onde foi? A história se repete, ainda mais devastadora, com máquinas de destruição mais modernas e malignas.Precisamos entender, e fazer entender, que a maior riqueza da região é a Amazônia viva, suas milhares de espécies de animais, fungos, plantas, onde está o futuro da medicina, da engenharia, da energia renovável. Nosso futuro é a pesquisa e aplicação de todo conhecimento que podemos absorver da biodiversidade mais exuberante do planeta. Como meu companheiro de equipe Lvcas sempre diz, toda vez que mergulhamos assim na floresta, era para estarmos vivendo uma utopia amazônica, mas o que vemos é o oposto.

O desenvolvimento sombrio que nos apresentam é um fantasma que devia ter sido enterrado com a ditadura, mas pasmem, foi reanimado com o bolsonarismo. Lá vem a boiada passando, levantando o pó na estrada, sufocando a floresta e o povo de poeira, até morrerem asfixiados e sem voz. Lá vem a história da selva indomável, maculando a floresta viva e benevolente. Como modificar uma mentalidade tão arraigada? Nesse infame Arco do Desmatamento, que vai minando a Amazônia pelas bordas e se alastrando feito câncer maligno, ainda perdura a ideia da floresta como perigosa, ainda há mais medo de onça que de caçador, não importa que a realidade mostre o contrário.

A música que ouvia no carro nos sugere uma saída. “Beber o suco de muitas frutas, o doce e o amargo, indistintamente. Beber o possível, sugar o seio da impossibilidade, até que brote o sangue, até que surja a alma dessa terra morta, desse povo triste.” É preciso provar Amazônia, o deslumbre de suas belezas, o medo e respeito por seus mistérios, reavivar a alma desta terra. E é preciso mostrar o sabor dessa Amazônia a quem vive nela. Poucos, além dos povos originários e populações tradicionais, conhecem esse gosto encantador e tão rico.

A floresta segue ocupada por forasteiros gananciosos e poderosos, que não a conhecem e dela querem extrair destruindo tudo. Junto deles vêm pessoas que só buscam sobreviver. Quando os grandes se vão, elas restam, com saudades da ilusão de tempos passados. Essas pessoas, que se tornam locais, também precisam ser incluídas nos diálogos e mergulhar na Amazônia ancestral.

Ao assistir a uma palestra para os funcionários da reserva, a querida cozinheira daqui se apaixonou pelos louva-a-deus. Quando chegamos há um mês, ela achava que eles picavam, e os matava, como a maioria faz. Agora, já fez foto com um no braço, quer estampar a foto em uma caneca e sonha em ter alguns nos seus jardins de orquídeas. Isso me anima. Há várias maneiras de combater o obscurantismo que vivemos, e o meu caminho é compartilhar de forma sincera a jornada de um cientista apaixonado pela Amazônia, plantando conhecimento e histórias. Mostrar porque choro ao ver o verde coberto de poeira, e porque imerso nesta floresta, quase me esqueço de tudo, levado pelas belezas ocultas em suas noites. Eliane Brum diz, com razão, que a Amazônia é o centro do mundo. Eu gosto de dizer que também é o coração. Aqui somos realmente vivos.

É muito difícil ter esperança, até mesmo lembrar o que é isso, após três anos de um governo tão vil. Mas quando ele passar, e vai passar, acredito que pequenas mudanças, geradas por milhares, junto aos grandes movimentos e pressões, serão capazes de pensar um caminho que verdadeiramente dê valor à Amazônia. Quem sabe o Arco do Desmatamento não possa ser convertido no Arco do Reflorestamento?

Ainda há tempo, mesmo que pouco. Reservas como a RPPN Cristalino protegem as sementes dessa retomada. Por aqui ainda vivem louva-a-deus raros, animais extraordinários e árvores centenárias. Que todos tenham o privilégio e gosto de conhecê-los de perto.