Garimpeiros usam explosivos e aliciam jovens em terra indígena de Roraima
14 de setembro de 2025 às 12:44h
Moradores da Raposa Serra do Sol relatam medo e rotina alterada; governo federal acompanha o caso e PF já realizou operações na região.
Lideranças indígenas de Roraima denunciam que garimpeiros ilegais têm devastado a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, inclusive com o uso de explosivos, e submetido jovens das comunidades a condições semelhantes à escravidão. Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), ao menos 500 invasores atuam na região.
🌄 A Raposa Serra do Sol é a segunda maior terra indígena do Brasil em população, de acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é um instituto (IBGE). Mais de 26 mil indígenas dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana vivem na região, demarcada pelo Supremo Tribunal Federal.
O território, com 1,7 milhão de hectares que abrangem os municípios de Normandia e Uiramutã, fica na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. A região é formada por montanhas e serras, como a Serra de Pacaraima, na fronteira entre os três países, e o Monte Roraima, um dos pontos mais altos do país. O relevo, com platôs e nascentes, concentra rios e rochas ricas em minerais, o que atrai a ação do garimpo ilegal.
Segundo o CIR, os garimpeiros atuam com:
- Uso de explosivos, compressores e bombas para quebrar rochas nas serras, além de moinhos para separar a terra do ouro — esse é o principal método de exploração;
- Escavações manuais com picaretas, pás e outras ferramentas para abrir crateras em busca do minério;
- Em menor escala, há o uso de motores de médio porte nos leitos de igarapés e rios, com aplicação de mercúrio para separar o ouro dos sedimentos.
O g1 esteve nas comunidades Tarame e Raposa II, onde os acampamentos dos garimpeiros ficam a poucos quilômetros. Na Tarame, com cerca de 50 moradores, o tuxaua (liderança indígena), de 40 anos, que preferiu não se identificar, falou sobre a mudança no modo de exploração praticado pelos garimpeiros, que se tornou mais agressivo, com uso de tecnologias.
“Eles começaram manual, depois passaram a usar explosivos. Montaram compressores e bombas, e aí a gente viu que a situação está se agravando. Todo mundo ouve as explosões, chega o chão treme. Acorda todo mundo”, detalhou a liderança.
Perto de Tarame, a reportagem flagrou um acampamento com maquinário, fiação elétrica, ferramentas e buracos recém-abertos (veja imagem abaixo).
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Infográfico – garimpo na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima — Foto: Arte/g1
Jovens aliciados
Na comunidade Raposa II, com 150 moradores, um ex-tuxaua relatou que adolescentes são atraídos ao garimpo com promessas de pagamento, mas trabalham em condições degradantes, apenas para pagar dívidas com alimentação.
“Ouvi relato de um rapaz que foi obrigado a descer 100 metros de profundidade [em buraco aberto na serra] para tirar pedra e subir de novo. Ele me disse: ‘Não temos outra opção’. Para mim, isso se parece com escravidão”, contou.
“Eles passam o tempo todo quebrando pedra, fazem dívidas, compram fiado e trabalham apenas para pagar a alimentação. Uma refeição lá chega a custar R$ 100”, afirmou.
De acordo com ele, a presença de garimpeiros traz degradação ambiental e social, pois jovens são afastados dos costumes indígenas e, ao mesmo tempo, incentivados a consumir drogas e bebidas. O morador também destaca que igarapés e lagos da região estão contaminados por mercúrio.
“O igarapé e os lagos onde pescamos estão contaminados com mercúrio. Em pouco tempo, talvez não possamos mais comer peixe”, afirmou.
Garimpeiros vieram da Terra Yanomami, diz CIR
O CIR acredita que parte dos garimpeiros tenha sido expulsa da Terra Yanomami, a cerca de 300 quilômetros de distância. As denúncias de moradores também incluem prostituição, consumo de drogas e ameaças de morte.
“São garimpeiros que foram expulsos da Terra Indígena Yanomami e agora estão visando outros territórios indígenas, como a Raposa Serra do Sol”, disse o coordenador geral do CIR, tuxaua Amarildo Macuxi.
O governo federal afirmou, por meio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Casa do Governo, que está ciente das denúncias, mas não detalhou quais ações de combate estão sendo colocadas em prática.
Conselho cobra plano permanente
O CIR prepara um relatório com os impactos do garimpo e cobra do governo federal um plano permanente de proteção ao território.
“Não adianta operação isolada. Enquanto o Estado não tiver um plano permanente de fiscalização e proteção do território, o garimpo vai continuar se espalhando”, disse Amarildo Macuxi.
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Moinho usado por garimpeiros para extrair ouro ilegalmente na Terra Indígenas Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Josivan Antelo/Rede Amazônica
O que dizem os órgãos citados
- Funai
A Funai informou que está ciente das invasões e das denúncias de aliciamento de indígenas. Disse que um novo plano de ação está em elaboração para reprimir os crimes e desenvolver projetos de futuro, como o etnoturismo.
Em entrevista à Rede Amazônica, a ministra Sonia Guajajara afirmou que o governo federal monitora a situação e prepara novas ações contra o garimpo ilegal na Raposa Serra do Sol.
- MPF
O MPF informou que instaurou um inquérito civil em 2023 para monitorar a atuação do poder público. Disse que operações recentes são resultado direto das recomendações do órgão e que novas estratégias dependem de relatórios em andamento.
- Casa de Governo, da Casa Civil
A Casa de Governo, que coordena ações contra o garimpo em territórios indígenas, confirmou que recebeu as denúncias do CIR e as repassou à Polícia Federal.
- Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que deflagrou, em junho, a aperação Xapiri-Omama para combater o garimpo na Raposa Serra do Sol. A ação teve o apoio da PF, Funai das Forças Armadas, e resultou na apreensão de equipamentos usados no garimpo. Além disso, constatou danos ambientais em rios e áreas de floresta. O órgão disse que o monitoramento do território é constante.
- Polícia Federal
A Polícia Federal não respondeu até a última atualização desta reportagem. O Exército informou que o tema deve ser tratado com a Casa de Governo.
Veja fotos do garimpo na Raposa Serra do Sol
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Comunidade Tarame, na Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR
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Cratera feita por garimpeiros ilegais em serra na Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Josivan Antelo/Rede Amazônica
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Acampamento de garimpo nas proximidades da comundiade Raposa II, na raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR
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Professora de 44 anos reclama da presença de garimpeiros na comunidade Tarame, na Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR
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Danos causados pelo garimpo ilegal no território da Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Divulgação/CIR
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Acampamento de garimpeiros no Vale do Cavalo, na comunidade do Tarame, Raposa Serra do Sol, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR
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Crateras feitas por garimpeiros ilegais na Raposa Serra do Sol, em Roraima, no dia 30 de agosto de 2025 — Foto: Divulgação/CIR
Fonte: G1