Lula teve agenda cheia na Conferência do Clima
21 de novembro de 2022 às 14:50h
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva teve agenda cheia no seu último dia na COP27, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Em reuniões com integrantes da sociedade civil e indígenas, ele defendeu que seu futuro governo possa “furar” o teto de gastos, ironizou o presidente Jair Bolsonaro e cobrou “respeito” do agronegócio.
Recebido calorosamente pelos corredores da conferência, com gritos de apoio e aglomeração, o presidente eleito também se reuniu com o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, o secretário-geral da ONU, António Guterrez, e a ministra de Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock.
Mas a maior parte da agenda do dia foi dedicada a conversar com jovens ativistas, pesquisadores e ambientalistas, além de lideranças indígenas de todo o mundo.
Nessas encontros, o presidente eleito fez dois discursos e abordou temas polêmicos como o teto de gastos e a resistência do setor agro ao seu retorno à Presidência.
Cobrança de respeito ao setor do agro
Em reunião com integrantes da sociedade civil, Lula voltou a dizer que a meta é zerar o desmatamento no Brasil. Para ele, não é preciso derrubar mais florestas para aumentar a produtividade da agricultura brasileira.
Nesse momento, abordou brevemente as resistências de parcela das lideranças do setor do agronegócio ao seu governo.
“Não me preocupo quando dizem que o agronegócio não gosta do Lula. Não quero que goste, quero que respeite”, disse.
“O verdadeiro empresário do agro sabe que não pode fazer queimada, não pode desmatar. Sabe que tem que ter compromisso. Hoje no Brasil as pessoas sabem que você não precisa derrubar área para ter plantação de soja. Nós vamos evitar de uma vez por todas que haja exploração em terra indígena.”
O presidente eleito afirmou, porém, que a tarefa de combater o desmatamento e proteger terras indígenas não vai ser fácil. Segundo ele, será preciso enfrentar a “fúria” dos bolsonaristas.
“A gente derrotou Bolsonaro, mas os bolsonaristas se mantém aí. Vocês veem que eles atacam aldeias indígenas sem nenhum respeito, veem a fúria dos madeireiros. Então, a gente vai ter que ter muito mais competência, habilidade. Se a gente só ficar brigando, a gente vai perder a razão pela qual fomos eleitos.”

CRÉDITO,EPA
Teto de gastos
No mesmo discurso, Lula disse que “não adianta responsabilidade fiscal sem responsabilidade social”. E afirmou que o teto de gastos, na sua forma atual, tira “dinheiro de cultura, educação, ciência e tecnologia”.
“Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro. Se eu falar isso vai cair a bolsa e subir o dólar. Paciência. O dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta de pessoas sérias, (cai) por conta dos especuladores que ficam especulando todo o santo dia”.
De fato, a bolsa caiu e o dólar subiu nesta quinta (17/11) diante das falas de Lula e das negociações da chamada PEC da Transição, que permitirá ao governo gastar em 2023 até R$ 198 bilhões fora do Teto de Gastos — regra constitucional que limita o aumento das despesas ao crescimento da inflação.
No governo Bolsonaro, este mesmo teto foi furado em quase R$ 800 bilhões nos últimos quatro anos.
Segundo levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), feito a pedido da BBC News Brasil, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
As demandas da sociedade civil
Na reunião realizada pela manhã desta quinta-feira (17), Lula se encontrou com diversos representantes de associações, coletivos e grupos que lutam contra as mudanças climáticas.
Seis deles foram selecionados para discursar e apresentar algumas demandas para o presidente eleito.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, disse que as entidades esperavam “há quatro anos uma autoridade brasileira fazer um discurso do tamanho do Brasil”.
Ele disse ter confiança que as mudanças nas políticas ambientais vão acontecer, mas destacou que a sociedade civil continuará cobrando e fiscalizando.
“Governo bom é igual feijão: precisa ficar sob pressão, senão, não acerta o ponto”, comparou.
Thuane Thux, do PerifaConnection, afirmou que “o tempo da juventude brasileira não é o tempo do Norte global”.
“Nós estamos sobrevivendo até agora e queremos dar um passo a mais, em busca do bem-viver”, disse.
Ela também pediu que o presidente eleito crie o Conselho Nacional de Juventude Climática.
O professor de história Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, lembrou que “não existe justiça climática sem o enfrentamento do racismo”.
“E o Brasil é um país que historicamente negligencia essa questão.”
Puyr Tembé, que representou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou que “há muitas demandas”, a começar “pela demarcação dos territórios indígenas e quilombolas”
“Estamos também preparados para ocupar outras instâncias. Que venha o Ministério dos Povos Originários, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde e a Fundação Nacional do Índio (Funai)”, listou.
O biólogo Adalberto Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Ipan), pediu que Lula apoie a pesquisa científica no país.
“Precisamos criar condições para trazer nossos meninos de volta”, pediu.
Ele usou o termo “meninos” em alusão aos cientistas que são formados no país, mas se mudam para o exterior em busca de melhores condições de vida.
Por fim, Bárbara Gomes, do Engajamundo, disse que a sociedade civil “precisa de mais apoio, espaços e lugar de fala”;
“A juventude não se calará, nosso papel é ser linha de frente”, discursou.
Ela também pediu que o próximo governo crie o Conselho Nacional da Juventude Climática.
Fonte: BBC News Brasil