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Marco Temporal

Naturalização de um estado de indigência para os povos indígenas

10 de junho de 2023 às 12:58h

*Juliana de Paula Batista

Não se pode flexibilizar os direitos das minorias vulneráveis sem que o pior aconteça. Não podemos aceitar mais ações que desfigurem a Constituição

De acordo com a teoria do “marco temporal de ocupação”, uma Terra Indígena só poderia ser demarcada se comprovado que os indígenas nela estavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O tema está sendo julgado pelo STF no RE 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.031), e deve ter continuidade nesta semana.

Quando se conhece em detalhes os processos que buscam anular demarcações de Terras Indígenas com fundamento na teoria do marco temporal, chega-se a uma conclusão: “pau que bate em Chico não bate em Francisco”, como dizia o ministro aposentado do tribunal, Marco Aurélio Mello.

Se em qualquer processo administrativo há pressupostos basilares, como a presunção de legalidade, veracidade e legitimidade, o mesmo parece não valer para processos administrativos de demarcação de Terras Indígenas. No STF, por exemplo, há uma ação em que a parte apenas alegou “marco temporal” e tomou-se a decisão de suspender o registro da área em cartório – última fase do longo e demorado procedimento para a regularização fundiária dos territórios indígenas. O autor da ação, diga-se, não juntou nem um documento sequer que corroborasse a alegação de “marco temporal”.

A terra em questão estava homologada por decreto presidencial e o processo administrativo tramitou por mais de 30 anos. Esse caso mostra que, quando se trata de direitos indígenas, também não se tem tanto apreço à separação dos poderes ou temperança para evitar ingerência do Judiciário nas atribuições típicas do Poder Executivo.

A liminar que suspendeu o registro da terra em cartório, aliás, está vigente há mais de dez anos e o agravo interno que a questiona nunca foi levado ao Plenário. O princípio da colegialidade também não parece ser o forte quando se trata de direitos indígenas. O processo de demarcação foi aberto em 1982. Nele inexistem relatos de saída dos indígenas da área após essa data. O autor da ação também não juntou o processo administrativo de demarcação aos autos.

Resta a dúvida se será com esse grau de “poder geral de cautela” que os tribunais brasileiros vão aferir se, de fato, há um “marco temporal” num processo de demarcação, caso a interpretação seja aceita pelo STF no julgamento que se avizinha.