Barreira de proteção ameaçada

Ao mesmo tempo em que aponta que as mudanças climáticas teriam sido o principal fator para a seca excepcional de 2023, o estudo também aponta a necessidade de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

No mundo, a principal fonte desses gases é a queima de combustíveis fósseis. No Brasil, é o desmatamento.

“A não ser que o mundo pare rapidamente com a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, esses eventos vão se tornar ainda mais comuns no futuro”, diz um trecho do estudo.

“Se continuarmos queimando petróleo, gás e carvão, muito em breve atingiremos 2°C de aquecimento e veremos secas semelhantes na Amazônia a cada 13 anos”, diz a Dra. Friederike Otto, professora sênior de Ciência do Clima no Imperial College de Londres e que participou do estudo.

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e é vista como fundamental para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.

Apesar de conhecida pela sua resiliência, cientistas que participaram do estudo alertam que secas como a do ano passado soam um alarme.

“Isso coloca em xeque a capacidade da floresta de se recuperar […] se a gente considerar todas as pressões humanas na floresta como desmatamento e queimadas, acho que deveríamos ficar preocupados com a saúde da floresta”, disse Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) durante a apresentação do estudo na quarta-feira (24/1).

A atuação da Amazônia como uma proteção contra as mudanças climáticas acontece, em grande parte, por seu papel como captador de carbono da atmosfera.

Em um estado saudável, a floresta absorve mais dióxido de carbono (CO2) do que libera.

Gráfico mostra histórico de seca na Amazônia

Esse processo limita o aumento de CO2 na atmosfera proveniente de atividades humanas, mantendo a temperatura sob controle.

Mas há evidências de que isso pode estar mudando, à medida que as árvores morrem devido à seca, incêndios florestais e desmatamento desenfreado para abrir espaço para a agricultura.

Há preocupação de que, se as mudanças climáticas e o desmatamento continuarem no ritmo atual, a Amazônia poderá em breve atingir um “ponto de não retorno”.

Se esse ponto for ultrapassado, apontam estudos, isso poderia levar ao declínio rápido e irreversível de toda a floresta tropical fazendo com que a rica floresta amazônica se transforme em áreas savanizadas ou até mesmo desérticas.

Isso resultaria em um aumento nas emissões de CO2 por um lado, e na perda de uma importante fonte de captação de carbono da atmosfera de outro.

Não há consenso científico sobre se a Amazônia já chegou ou não a esse ponto de não retorno.

O climatologista brasileiro Carlos Nobre foi o primeiro a apresentar esta teoria em 2018. Ele é um dos autores de um estudo que afirma que, se a Amazônia for desmatada em 25% e a temperatura global atingir 2 a 2,5 °C acima dos níveis pré-industriais, a floresta irá atingir o ponto de não retorno.

“Não acho que [o ponto de não retorno] seja o que estamos vendo [ainda], pelo menos em todas as partes, exceto na parte mais seca da floresta amazônica”, diz Yadvinder Malhi, professor de Ciência dos Ecossistemas na Universidade de Oxford, que não estava envolvido no estudo do WWA.

Desmatamento baixa, mas alerta permanece

Gráfico mostra histórico de desmatamento da Amazônia

Apesar da última seca recorde na Amazônia em 2023, houve alguns dados comemorados pelo governo brasileiro e por parte da comunidade científica.

taxa de desmatamento na Amazônia brasileira caiu 50% em 2023 na comparação com 2023, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Apesar disso, os dados no segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado, preocupam. Houve aumento de 43% em relação ao ano passado.

“A perda da Floresta Amazônica está longe de ser inevitável no curto prazo”, desde que o fogo e o desmatamento possam ser controlados, disse Malhi à BBC News.

Os cientistas do WWA reiteraram durante a apresentação do estudo que o desmatamento na Amazônia é um fator de risco para a “saúde” da floresta.

Mas afirmaram que a principal medida a ser tomada para evitar secas recordes como a do ano passado é a redução drástica das emissões de gases do efeito estufa geradas como um todo.